12/06/2012

OCDE quer indexar idade de reforma à esperança de vida


Agora todos sabemos da fragilidade dos sistemas de proteção social e que daqui a uns anos a sua falência está prevista.
Agora todos sabemos que é necessário precavermo-nos dessa situação futura e os regimes privados de proteção social deverão ser rapidamente promovidos.
Se eu tivesse sabido há 30 anos, quando comecei a trabalhar e a descontar para a reforma, que esta não seria por inteiro, como a dos meus pais e do meu irmão mais velho felizmente foram, ter-me-ia precavido com um plano de pensão privado. Sendo funcionária pública esse plano de pensão privado seria mais um encargo/redução salarial a acrescentar aos que já sofri, pois o estado obriga-me mensalmente a descontar para a reforma dos outros. A solidariedade é provavelmente o valor que mais prezo e ao longo da minha vida de trabalho senti, sinto e sentirei que devo contribuir para o bem-estar de todos aqueles que trabalharam e que me proporcionaram a qualidade de vida de que agora usufruo (usufruía). De igual modo esperaria que no futuro outros o fizessem por mim e por todos aqueles que estão agora no ativo. Engano! Com a crise há menos nascimentos, com a crise há mais desemprego, e daqui a duas dezenas de anos haverá menos gente no ativo e a minha reforma reduzida em 40% não me permitirá pagar a alimentação quanto mais os medicamentos.
E a perversidade de tudo isto! Culpar unicamente o aumento da esperança de vida da crise da segurança social que agora se faz sentir. Foi a melhoria dos cuidados médicos, dos cuidados alimentares e das condições higieno-sanitárias, que muito contribuíram para o aumento da esperança de vida e agora com a crise vai-se assistir ao deteriorar de todas essas condições e provavelmente ao aumento da mortalidade média da população.
Não sei qual foi a razão primeira e os fatores considerados quando se estabeleceu uma idade para a reforma nos países com regimes de proteção social. É um facto que nas profissões de desgaste rápido a idade de reforma é antecipada em relação à das outras profissões. Não é o caso da minha profissão.
A relação entre duração da atividade laboral e o tempo de atribuição da pensão é do tipo olho por olho dente por dente mas parece-me ser o critério mais justo.
Por acaso gosto do que faço e não sou daquelas pessoas que “está morta” por ver chegar a reforma para fazer o que gosta. Estou, no entanto, consciente de que as minhas capacidades intelectuais e resistência física têm vindo a diminuir e ainda só tenho 53 anos. Não sei se há uma relação diretamente proporcional entre a esperança da vida e as capacidades intelectuais e/ou físicas, a não ser, claro, na hora da morte.
Sei que quando tratava de elaborar um artigo tudo ficou mais fácil após uns 20 anos de prática, mas agora, após 30 anos, a minha capacidade de ir buscar mentalmente reforços a essa parte do cérebro que lida com os arquivos, está diminuída assim como diminuída está a minha paciência e disponibilidade para com os alunos quando comparo com a de há 10 anos atrás.
Também sei que cada vez mais em custa cortar as sebes ou cavar a mini-horta, o que anteriormente era um entretenimento e que agora é quase um sacrifício. Se há alguns anos poderia facilmente contratar alguém para o fazer por mim, agora, com o corte salarial, isso já não é possível. Não sei como estarei aos 70 anos de idade e se os meus alunos aprenderão muito comigo. A horta e o jardim, com tantos cortes salariais mesmo ainda no ativo mais os cortes na reforma, nessa altura, também já deverão ter morrido!
Não partilho da opinião de que se colocarem a terceira geração a trabalhar até aos 70 se faça uma melhor distribuição dos custos entre gerações, conforme diz a OCDE. Evidentemente que se protegem os trabalhadores mais velhos de políticas de afastamento compulsivo dos seus empregos, mas claramente não vai aumentar a empregabilidade dos mais jovens e, tal como outras medidas de contenção de crise, o seu efeito benéfico é duvidoso. E ainda por cima (Mais perversidade!) essa proposta da OCDE afetaria duplamente os trabalhadores/pensionistas, que iriam trabalhar mais anos e ainda por cima sofreriam uma redução dramática do valor da sua pensão em cerca de 40%.
E por ter tido esta ilusão de que vivia numa Europa social e desenvolvida e não num qualquer estado liberal do outro mundo, estou “lixada“ . Quando chegar a minha hora da reforma o meu nível de vida vai consideravelmente baixar justamente quando se esperaria que não me preocupasse com a sobrevivência económica, mas sim com a sobrevivência ipsis verbis.

Manuela Vaz Velho

*novo AO