23/10/2016

Ajustamento da Economia Portuguesa a quem serviu?



Mário Russo
Portugal foi brindado por um programa de ajustamento financeiro imposto pela Troika, tutelado pela Senhora Merkel e abençoado pela União Europeia, como única forma do país estruturar a sua economia e poder finalmente crescer, criar emprego e bem estar. De facto, é preciso ter as contas em dia, enxutas, para se poder olhar para o futuro com confiança onde os investidores planeiam com tempo e apostam no país, criando empresas, empregos de qualidade e bem-estar. Ora, para que o país tivesse tais contas em dia, foi imposto pela Troika e executado com obediência canina por Passos Coelho, um programa de austeridade e de venda das empresas portuguesas a qualquer preço, porque era dinheiro fresco, dinheiro estrangeiro a entrar no país, que assim deixaria de haver dívidas públicas.
O Governo de Passos Coelho vendeu tudo o que pode. As joias da coroa foram desbaratadas e desmembradas apesar das juras em contrário. Empresas que eram inovadoras e criavam emprego qualificado levando o nome de um Portugal moderno ao mundo estão na mão de estrangeiros: multibanco mais avançado do mundo, televisão digital terrestre europeia, via verde, telefones móveis pré-pagos, rede de fibra ótica, etc.
Empresas como a  Cimpor, uma das mais importantes cimenteiras a nível mundial, foi vendida aos brasileiros da Camargo Correia que juraram mantê-la como era, só que por pouco tempo, porque fizeram o que na altura vozes avisadas disseram, que era o desmantelamento para realizar mais-valias.  A ANA, que geria os aeroportos, tinha de ser vendida porque era dinheiro estrangeiro fresquinho. Foi vendida à francesa Vinci, sem experiência relevante no negócio, tendo vindo para aprender com a experiência portuguesa, está a repatriar milhões de lucros.
A TAP, vendida ao dono da AZUL, companhia aérea brasileira, já subtraiu 3 rotas para o Brasil à TAP, porque não eram rentáveis para a companhia portuguesa, mas para a AZUL, benemérita de Nossa Senhora de Fátima, é rentável. As outras rotas para o Brasil e outras cidades da diáspora serão igualmente a curto prazo desviadas para a AZUL e será “ouro sobre azul” para o brasileiro americano Nielman. A TAP, como se previa, vai transformar-se com o tempo num apêndice tipo Portugália, uma vez mais com as juras de Passos Coelho que era inevitável e única solução, mas que iria continuar a ser companhia de bandeira portuguesa.
A PT, empresa nacional de dimensão multinacional, criadora de produtos inovadores, emprego de qualidade, foi desmantelada por interesses mesquinhos de falsos patriotas, vendendo a jóia brasileira das telecomunicações aos espanhóis e em Portugal tinha de ser vendida a qualquer preço, o que aconteceu ser vendida à francesa de infraestruturas de rede de cabo, Altice, que a transformou numa empresa local que explora os subempreiteiros e vem transformando bons empregos em empregos de subsistência.
A banca, sempre tida como imprescindível para a economia, porque permitia que o dinheiro chegasse às empresas para que estas pudessem crescer, é governada por gente desqualificada para o métier, não passando de bancários, ou boys de ocasião e plantão, que destruíram os bancos que geriam, tendo de ser intervencionados com dinheiro público que justificou a opção pela única solução de serem vendidos a preço de saldo a estrangeiros, que os transformam em abastecedores de caixas multibanco para estrangeiros turistas sacarem umas massas para gastar nas tascas de Lisboa e do Porto, para gáudio dos arautos do crescimento da economia com as políticas de ajustamento. Em vez de banqueiros, os bancários que gerem os bancos, receosos de calotes, e igualmente sem visão, não emprestam dinheiro às empresas com medo dos balanços de incobráveis, e as empresas, descapitalizadas, também não podem crescer, criando-se um círculo vicioso e destrutivo, sem criação de empregos como se queria.
As virtualidades prometidas pela Troika e os seus seguidores internos e externos, estão a léguas de serem verdade, porque não há estratégia nacional nem um road map para o crescimento, rompendo com as políticas europeias de estrangulamento abençoadas pela Alemanha sob o olhar diáfano de uma Comissão Europeia míope e subserviente aos interesses do diretório dos fortes, com os resultados conhecidos.
Portugal caminha a passos largos para o desastre social por falta de estratégia, de valores, de qualidade e de missão, dos políticos que nos vão governando sem visão. Por isso, pede-se um clamor por novas abordagens, que não têm de ser sectárias e destrutivas do que existe, mas de redireccionamento e redefinição dos objetivos do Estado. A gestão seja do que for, ou é boa ou má, não tem nada a ver em ser pública ou privada.
Há setores da economia que são estratégicos e o País não pode ou poderia abdicar deles.
A maior declaração de incompetência política e de gestão é a que sucessivos governos passam a si próprios ao decidirem entregar empresas públicas, muitas delas monopólios naturais, portanto sem concorrência, a privados, com a justificativa de que é a única solução.
Precisamos de romper com o barato que sai caro, que é termos políticos sem qualidades suficientes para nos governar, porque hipocritamente achamos que podemos ter bons gestores com os baixos salários praticados, sempre com a míope visão de que os políticos ganham muito.